Existem momentos que
nos roubam o ar. São pequenos espaços de tempo onde o impossível acontece, onde
a imaginação não supera a realidade em nada. Como aqueles instantes que você
passa olhando para o nada, pensando, sei lá, na conta que tem que pagar semana
que vem ou tentando se lembrar onde foram parar as suas chaves. Sabe? Num
desses dias em que a cabeça vive nas nuvens e a memória nos prega peças. A
intuição te diz que alguém te observa, mas você paga pra ver. E sente que
ganhou na loteria.
Bastou um meio giro do
pescoço para cruzar o meu olhar com eles, os olhos mais doces que já vi na
vida. Sorrindo, só para mim. Me admiravam como se eu fosse a oitava maravilha,
como se nenhum ruído fosse capaz de desviar a atenção, como se no mundo não
existisse nada além de nós. Me olhavam como se pudessem me virar do avesso e me
olhar pela alma. Sorri, um pouco tímida, confesso. Até me atrevo a dizer que um
pingo de medo percorreu meu corpo, então questionei:
— O que foi? Por que tá me olhando assim?
— Nada. Tô só olhando, ué. Não pode?
Quis berrar que não,
não pode me olhar assim. Não pode me enxergar pelo lado de dentro, de forma tão
descarada, sem nem pedir licença, mas fiquei calada. E você... Você apenas
sorri e pisca devagar. Agora seus olhos também brilham. O mundo, mais uma vez,
se apequena diante da imensidão do teu sorriso e sinto como se meu corpo
afundasse cada vez mais no mar de amor que se formou ao nosso redor.
A essa altura eu já
tinha esquecido completamente da data do vencimento da conta e onde deixei as
chaves. Desconfio que mal lembrasse qual o meu nome e telefone, mas tenho
absoluta certeza de que depois daquele momento nunca mais esquecerei meu
endereço.
Senti que, em algum
momento dos segundos que se passaram, uma marca foi feita a ferro e fogo, em
letras garrafais, onde se lia: LAR. Então eu soube que ali, naquele exato
minuto, havia deixado de me pertencer. Não da forma pejorativa, dessa que caiu
na boca do povo e se perdeu entre futilidades, mas da forma mais bela e pura
que um ser humano pode se doar: sem perceber, por amor, por amar.
Nenhum outro abraço
seria tão quente quanto aquele. Nenhum outro abrigo seria tão seguro quanto
aquele. Nenhuma outra respiração me acalmaria, como canção de ninar, da mesma
forma que a sua. Suspirei. Não haveria, no mundo, outro lugar para morar.
Minha casa é ao
alcance dos teus olhos, meu bem.
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