terça-feira, março 15, 2016

Feche a porta quando sair


Eu te escrevi uma dúzia de cartas ou mais, uma canção que ainda me falta melodia e um verso de poesia a tatuar no coração. A vida parecia tão precisa e hoje a vejo como um caderno de desenho rabiscado por uma criança de 2 anos de idade. Um borrão que não se entende. Rabiscos que não se encontram o início. Eu deixo você ir embora sem tantos questionamentos, pois acredito que só devemos ficar onde nos sentimos à vontade. Você não sente. Meu coração deixou de ser tua casa, virou um lugar desconhecido e é justo que você queira alçar novos vôos, desbravar outros caminhos.

Eu abro a porta da minha casa/coração por acreditar que amores não merecem viver em gaiolas, mesmo que a vontade de mantê-lo trancafiado seja maior do que o desejo de dizer adeus. Eu abro a porta e te deixo ir por compreender a tua dor em ter que me acomodar – sem querer – na tua vida, por perceber o quão sofrível era me manter em teus dias, por observar que já não havia espaço para mim.

A gente deixou de ser a algum tempo e, embora eu acreditasse que fosse apenas uma fase o meu coração sempre respondia que não. As coisas não melhorariam e não melhoraram. E então eu me vi sozinha no meio do salão, sem meu parceiro de dança, sem meu companheiro de vida e contador de piadas preferido. Você se lembra que me estendeu a mão para dançar? Que você me quis por um momento em sua vida e cogitou a possibilidade de vivermos o eterno? Que não entendia o triângulo que vivíamos eu, você e Tiago Iorc. Ele nos cantava o dia inteiro na mente.

– Casamenteiro ele, você me disse.
– Irá cantar em nosso casamento, cogitamos.

Eu te deixo ir embora sem tantos questionamentos, porque me basta a dor de não compreender – humanamente – como alguém deixa de gostar da noite para o dia. Ou será que a vida apenas tirou de teus olhos a venda de uma possível paixão? E que na verdade é que sempre fui uma fuga, uma novidade para preencher os teus dias, e quando me conheceu de verdade viu que eu era tão comum, tão igual, tão cheia de defeitos e erros que me preferiu apontar à porta da rua.

Essa é mais uma carta que lhe escrevo e talvez ultrapasse duas dúzias. Um adeus ao que fomos, um pedido de desculpas pelo seu esforço em continuar a gostar de mim e embora eu chore pela despedida, prefiro que vá embora e percorra seu caminho até o fim da estrada...

Porque no final das contas a gente só deve ficar onde se sente à vontade.

Fotografia: Théo Gosselin.

3 comentários:

  1. Uau! Pam, que texto mais dolorido e vivo. Um turbilhão de lembranças e sentimentos me inundaram agora.

    Tua palavra disse o que precisava ser dito e nunca foi.

    Te abraço forte.

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  2. Recebi pontadas no coração. Flui, dilata, apalpa nossa alma, como se pedisse socorro. E no fundo nós é que sentimos necessidade de ser salvos. Porque sua escrita é para nós, porque somos todos, a gênese de quem ama mas é deixado... E as lembranças? Pontas cruas e cruéis.


    Lindeza de texto. Dolorido, mas lindo.

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