terça-feira, outubro 15, 2024

Doces memórias.


Quando eu era criança, meu pai tinha o hábito de nos trazer doces que se tornaram parte da minha infância. Ele comprava doce de abóbora em formato de coração ou amendoim torrado dos ambulantes que entravam no ônibus, oferecendo suas delícias. Essa memória é tão viva que, sempre que vejo um doce de abóbora, meu pai se materializa em minha mente, como uma sombra gentil, trazendo de volta aqueles momentos simples, mas cheios de significado. A imagem do seu sorriso e o carinho nos olhos são um presente que a vida me deu.

Da mesma forma, a música "Yesterday", dos Beatles, é um portal que me leva diretamente à minha mãe. É a canção preferida dela, e sempre que a ouço, visualizo seus cabelos longos e pretos, que lembram a asa de uma graúna, balançando suavemente enquanto ela estende as roupas no varal. Essa cena é como uma pintura em minha memória, vibrante e cheia de vida, onde a nostalgia se mistura ao amor. Quem mais consegue pegar essa referência? É engraçado como algumas situações e objetos têm o poder de nos lembrar de pessoas queridas. Eles agem como chaves que abrem cofres de recordações.

Recentemente, um colega de trabalho se aproximou de mim, e, ao sentir o perfume que ele usava, imediatamente reconheci aquele aroma familiar. Um instante foi suficiente para que uma imagem se formasse em minha mente, trazendo à tona a lembrança de uma pessoa específica, uma memória que eu pensava ter esquecido. Isso me fez refletir sobre como, em algum lugar, em algum momento, alguém poderá sentir um aroma e, assim, eu também estarei lá na mente dessa pessoa, materializada como uma lembrança viva. Essa interconexão das nossas vidas é fascinante.

Acredito que todos que passam por nossas vidas deixam um pouco de si, criando memórias que perduram. É uma verdade universal, um tipo de legado emocional que se entrelaça com nossas experiências diárias. Dias atrás, senti o cheiro de um Monange na embalagem azul e fui transportada de volta aos meus quatorze anos. Era como se o tempo não houvesse passado. A lembrança da adolescência, com suas inseguranças e descobertas, aflorou como um filme em que eu era a protagonista. O cheiro daquele produto me lembrou de momentos de autoafirmação e descoberta, das tentativas de me encaixar e da leveza de uma época que, de certa forma, era mais simples.

É curioso como nossa memória parece ser fotográfica, capturando detalhes que, em muitos casos, acreditamos ter esquecido. Mas será que ela não é, na verdade, um baú velho, repleto de recordações? Cada objeto, cada aroma, cada melodia se transforma em uma cápsula do tempo, guardando não apenas eventos, mas também os sentimentos que vivemos. Nossa memória é um mosaico composto por fragmentos de experiências, uma colcha de retalhos que nos define e nos liga aos outros.

A magia das memórias é que, assim como um doce de abóbora, elas têm o poder de adoçar a vida. Elas nos conectam a quem amamos e a quem perdemos, e cada vez que relembramos um momento especial, temos a chance de reviver a emoção daquele tempo. Talvez, por isso, busquemos incessantemente a companhia das pessoas que nos fazem bem, na esperança de criar novas memórias, enquanto relembramos as antigas.

Ao refletir sobre essas experiências, percebo que o ato de recordar não é apenas um movimento do passado, mas um presente que nos é dado a cada dia. As memórias são como os doces que meu pai trazia, pequenas delícias que se tornam grandes tesouros na nossa vida. E, assim, sigo minha jornada, entre lembranças e novas experiências, sempre atenta ao que o futuro pode me trazer, sabendo que cada aroma, cada canção e cada gesto pode me levar a um lugar especial onde as memórias vivem eternamente.

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