quinta-feira, fevereiro 15, 2018

Eu bebi você


Eu bebi você em algumas doses de vodca barata dias atrás. Aproximadamente oito doses ou mais. Já não me lembro bem. A única coisa que me recordo é da coragem insana que me incentivou a te ligar. Olhava fixamente para o teclado numérico e o número – que recém havia deletado – pululava em minha mente. Apagar não adiantou. Senti que minha vida era um roteiro sertanejo cantado por Marília Mendonça ou, quem sabe, Milionário e José Rico.

Terceiro toque e o coração na goela. A arritmia latente não se dava somente pela bebida, pensei eu. Que adrenalina é ligar para alguém na incerteza do que ouvirá do outro lado. Quinto toque e antes que eu desligasse, que desistisse de você, ouvi a sua respiração e um alô aparentemente injuriado. Você queria saber o porquê de eu ligar àquela hora e disse que – pelo nosso bem – havíamos ficado no ano de 2017. Respirei fundo, a bebida havia evaporado e o álcool que bebi não foi capaz de adormecer a dor que naquele instante você causou.

Você parecia mais viva e a sua voz firme me mostrava que eu não era mais bem-vindo. Respirei fundo, soltei um “eu sinto muito por tudo” e pude ver – por um instante – os seus olhos revirarem em minha mente. Não era preciso ter boa imaginação para saber que essa seria a sua reação diante do meu desabafo. Você sempre foi tão previsível, não é mesmo? Ou será que foi só a saudade que deu um jeitinho de materializar você em minha frente? Nunca saberei ou terei certeza quanto a isso. A única certeza de que carrego comigo é de que não há mais espaço para mim em sua vida e coração.

O telefone quase mudo me golpeou ferozmente. Havíamos tantos planos sempre, tanta conversa a se jogar fora, a vida toda parava enquanto dissertávamos sobre o nosso dia; que ouvir somente a sua respiração do outro lado da linha me cortava o coração. Você já não tinha mais a mesma paciência de antes. Você parecia não se importar mais com as minhas idas à cidade vizinha atrás de soluções para o prego do meu carro; não se importava mais com as canções que tocavam ao fundo especialmente para você.

Esses dias andei ouvindo Kid Abelha e lembrei que te cantei alguns versos quando nos conhecemos. Outro dia, também, mudei a estação de rádio e ouvi a nossa canção tocar. Tanta coisa ainda me lembra você e o teu jeito bonito de ver o mundo. Dia desses eu tive um problema e pensei que se você não soubesse a solução, saberia – ao menos – me confortar. Só que você não estava aqui para me dar um sermão ou me apontar a direção. Às vezes penso que fiz a escolha certa ao sair da tua história, mas em dias cheios de tensão eu penso o quão seria bom te ver fechando os olhos ao ser abraçada por alguma canção que eu te dedicava. É. Eu ainda te vejo nas minhas canções e ainda há em minha playlist um pouco de você.

Eu bebi umas doses de vodca barata, eu bem sei. 
Mas era só um pretexto para criar um pouco de coragem e dizer que eu sinto uma puta falta de você. Nem precisa se estender ao telefone, pode desligar quando quiser, mas antes deixa eu te dizer: tem dia que é muito foda não ter mais você, tem dia que a minha playlist fica maluca e traz você em todas as canções e, é foda, muito foda, brigar com tanta recordação. Agora pode desligar, coração.

Um comentário:

  1. Se fosse fácil assim, né? Desligar e levar tudo junto. Tudo o que incomoda e faz doer cada vez que a lembrança cai em cima. Seria meu sonho.

    Esse texto foi lindo. Quando você ousa eu fico sempre sentindo essa pontinha de orgulho do lado de cá. Você tem tanto aí dentro de si.

    Escreve mais, que já demorou demais.

    ResponderExcluir