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quinta-feira, outubro 01, 2015

Quase uma Dona Flor. Quase.


Sentou-se na varanda observando a chuva que caia incessantemente. Ela não era bonita, puro agouro. Estava lá com um cinzeiro abarrotado de tocos de cigarros, alguns maços em cima da mesinha e um litro de uísque 12 anos, que vinha bebendo do gargalho - não era necessário um copo. Sua boca era amarga, não pela bebida, muito menos pela nicotina, era a amargura que vinha de dentro. Estava sentado há horas, não se lembrava se havia acordado ali, ou se apenas havia sentado ao amanhecer. Tudo lhe era incerto. Suspirava enraivecido o nome de Úrsula.

Ela havia deixado, como de costume, a sua cama na madrugada. Marco, havia se cansado disso. Sentia-se usado, declamava-lhe poemas, mostrava-lhe os textos que dedicara e fizera sobre os dois. Ela, por sua vez, deliciava-se com o seu jeito doce de ser. Talvez, o amasse, mas não sabia até onde, quando. Não sabia se gostava apenas de suas palavras, ou se realmente o amava. Ele não era como Júlio, o comerciário com quem se encontrava às escondidas todas as tardes dentro do estoque de calçados, ele sim sabia fazer uma mulher feliz. Pensava ela. Não conseguia imaginar a ideia de viver com Marco, ele lhe propusera casamento, ela não queria compromisso. Queria ouvir Camões em seu ouvido, enquanto se amavam, mas queria ouvir palavrões enquanto se perdiam na seção de sandálias femininas com Julio. Sentia-se completa com os dois. Embora ambos não soubessem a existência do outro.

Úrsula amava os músculos de Júlio, ele ficava bem sem camisa, não era inteligente. Certo, possuía lá a sua serventia, mas não era tão dotado quanto Marco. Ele tentava ser romântico, sendo um fiasco diversas vezes, e ela não gostava dessas investidas. Pensava: - Tenho, Marco, para me amar com palavras. E assim, Marco fazia – amava-lhe com palavras, com docilidade, toques amenos e cuidados, enquanto Júlio lhe desejava e possuía como um cachorro enraivecido. E ela gostava de ambos.

Marco que estava sentado em sua varanda, embriagando-se viu Helena, correndo da chuva. Estava ensopada e tentava-se abrigar debaixo de uma mangueira. Levantou-se então, e com um guarda-chuva trouxe-a até sua varanda e lhe ofereceu uma toalha para secar-se, os olhos azuis de Helena transbordavam, não por causa da chuva, mas por ter terminado com seu namorado que a esbofeteou, ela chorava rios. E ele lhe enxugou as lágrimas, lendo um de seus poemas. Ali, Helena e Marco apaixonaram-se, em meio a lágrimas e um doce soneto que Marco declamou. Úrsula – Pensou ele, tinha vaga memória deste nome.

A loja que Júlio trabalhava estava em liquidação, a movimentação era tremenda e a gerente da filial de Campos Belos visitou a loja. Ela era morena e tinha traços indígenas, uma beleza descomunal. A sua voz era imponente, mas doce. Ela derrubou, sem querer, as caixas que Júlio arrumava no estoque. E ao ajudá-lo a recolher, seus olhos cruzaram-se e penetraram-se por alguns longos minutos. Júlio, que era burro na visão de Úrsula, lembrou-se um livro escrito por José de Alencar e disse a moça: a virgem dos lábios de mel e de cabelos mais negros que a asa da graúna. Que coincidentemente, chamava-se Iracema. E eles se apaixonaram.

Úrsula procurou Marco, mas ele não atendia. Os seus telefonemas não eram atendidos, ele trocara a fechadura da porta, e suas janelas sempre estavam fechadas. Marco enviou-lhe um poema de Caio F. que lhe dizia: "Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, ERA SEU. " E a ênfase no final da frase, mostrou-lhe que tudo havia acabado. Úrsula chorou e desejou entregar-se a Júlio a fim de esquecer.

Então, Úrsula procurou Júlio, a loja continuava inflamada por causa dos descontos absurdos que a loja resolvera praticar. Vira algumas vendedoras, outros vendedores e encontrou Maria, amiga de Júlio que sempre lhes vigiava a porta na hora do almoço, nos seus encontros amorosos no estoque. Maria lhe dissera que Júlio havia sido transferido para a filial de Campos Belos e que lhe indicou um livro para que lesse: Iracema, de José de Alencar. E Úrsula achando que Júlio nem sabia ler.

Úrsula não sabia o que era choro há tempos, experimentara de tantos outros sentimentos, amor, paixão, felicidade, prazer, mas tristeza lhe era novo. Ela chorava enquanto andava desolada pelas ruas. E ao contrário de Júlio e Marco não encontrou ninguém que lhe enxugasse as lágrimas. Terminou sozinha.

quarta-feira, setembro 09, 2015

HORTÊNSIAS.


Lilás era a nova cor do pecado porque eu mergulhava nos olhos dela todas as noites. E sim, não eram azuis, eram lilases. Bionda tinha os cabelos loiros, quase brancos como uma folha de papel e os lábios em formato de coração com pigmentação vermelho escarlate. Suponho que descrevê-la é impossível, porque não há como mensurar tamanha beleza, talvez ela seja uma deusa, dessas que dizem serem existentes em mitologia grega ou talvez seja um anjo tão doce e perfeito são suas feições. Contudo, não me atrevo a descrever minuciosamente os seus traços, porque pecaria com a minha visão grosseira e nada poética. Mas, digo-te, Bionda tem o cheiro mais doce e convidativo que meu olfato já experimentou sentir.

Eu estava distraído não esperando absolutamente nada quando ela me veio. O céu pintava-se de pontinhos brilhantes que facilmente podiam ser ligados, tornando-se animais, objetos ou simplesmente palavras. Céu de estrelas muitas e luar minguante. A lua não era cheia, igual aquelas que poetas costumam descrever em seus poemas, era imperfeita. E por trazer a imperfeição aos meus olhos foi bem quista. Dizem que quando a esmola é demais o santo desconfia então me alegrei por tê-la conhecido em uma noite minguante. E lá estava eu andando de bicicleta naquela cidade provinciana, que me acostumara a gostar. Andando de um lado para outro quando eis que ela me surge do nada. Tão rapidamente que não houve tempo de desviar. Acidente. Alguns arranhões, pouco sangue e um sorriso ao invés de choro, de palavrões. Ela deixou-me mergulhar pela primeira vez em seu doce olhar. Entreguei-me.

Ela falava sobre astronomia, dizia que desejava viajar a via-láctea e que conseguia enxergar estrelas em meus olhos. Soou-me poético. E ela disse realmente que era poesia, que eu era todo. E eu a beijei. E os olhos dela permaneciam abertos enquanto me beijava e os meus encontravam hortênsias ali. Ela dizia que olhava meus cabelos desgrenhados e que desejava saber se eu gostava de seus beijos. Não era falsidade. E ela me beijava sempre assim e eu adorava. Porque ela me lia com os olhos lilases dela, parecia ler com seus olhos abertos o que eu desejaria que ela me fizesse. E sabe, que todos os dias quando encontro aqueles olhos de hortênsias desejo piedosamente que continuem sempre abertos.

sexta-feira, agosto 14, 2015

Cuidado com a carência.


Cuidado com a carência. Ela pode ser uma arma engatilhada na sua cabeça sem que você perceba. Algumas pessoas leiloam seus corações com o intuito de se livrar do rótulo de solteiro. Dê seu coração a quem você acha que merece. Àquele que faz seus olhos brilharem quando passa, à moça que com carinho te veste de gentilezas desinteressadas, ao rapaz que com um bom dia consegue acelerar o teu coração. Não entregue a qualquer um ou porque acha que ninguém jamais te amará. Não dê motivos para que os outros acreditem que seu coração é um objeto. Não dê.

O problema é que abraçamos a primeira oportunidade de abandonarmos esse título e pouco nos importamos se estamos preparados ou não. Limpe a casa. Organize todos os cômodos do seu coração e aguarde o momento certo. O ditado que diz que devemos cuidar de nosso jardim para atrairmos as borboletas é verídico. Não há como receber um visitante sem condições de recepcioná-lo, acolhê-lo. Ele sairá batendo a porta em questão de tempo apenas por causa de sua desorganização.

O amor não tem que ser desesperado. Ao contrário, devemos deixar que ele surja aos poucos. Que ele nasça insuspeitado e sem razão de ser. Assim como as lianas que aos poucos se enroscam à árvore que desejam viver, ‘namorar’. O amor deve ser aguardando, mas para que isso aconteça devemos dar espaço para que ele cresça em nós. Não há como ele sobreviver em nosso interior como se vivesse espremido em uma despensa.

Por isso eu digo: esvazie os cômodos, limpe todas as gavetas, desfaça-se daquilo que não lhe cabe. Deixe os sentimentos antigos de lado, não se atemorize com o passar do tempo, não seja afoito. O amor surgirá quando menos você esperar. Assim como uma borboleta que pousa sem prévio aviso em nossos ombros. Paciência é uma virtude. 

Se é.