sexta-feira, setembro 26, 2025

O tempo que cura.


Quando estamos imersos em uma situação, não conseguimos enxergar nada além dela, daquela dor quase lancinante que nos corta por inteiro, daquela vontade de abraçar o outro e não deixá-lo partir, de ter um truque na manga que reverta tudo. Mas, quando alguém quer ir embora, não há nada que possamos fazer. O que nos resta é aceitar, mesmo com o coração triste, e seguir em frente, catando os caquinhos que sobraram dentro de nós.

Meses atrás, ouvi tanto que um dia ia parar de doer. E toda vez que alguém dizia isso, eu sentia náusea. A ansiedade gritava dentro de mim. Eu não queria esquecer nem que passasse; eu só queria de volta aquilo que julgava ser meu, aquilo que me fazia feliz. A gente não consegue raciocinar direito quando está sofrendo. Eu não conseguia. Eu só queria de volta. Não queria que passasse, não queria um novo alguém, queria apenas ele.

E por um bom tempo vivi nessa ânsia, esperando uma mensagem, um sinal de fumaça… e nada. Nada. Nada. Os dias foram passando, as dores diminuindo, e a vida voltando ao eixo. Ainda doía demais pensar no que poderíamos ter sido, mas doía mais ainda lembrar do que éramos: dos dias felizes, das partilhas, dos sorrisos, dos jantares à mesa, de tantos momentos que enchiam meu coração e me diziam que eu poderia ser amada e que eu merecia.

Lembro de dizer às minhas amigas que me sentia como Bella Swan em Lua Nova, rasgando os calendários e sofrendo pela partida de Edward. Aquela cena, a dor era quase palpável. Só quem é millennial e viveu essa época sabe do que estou falando. E os dias correram. Mas, diferente de Edward, ele não voltou. E, ainda assim, os dias passaram a ser menos dolorosos. Aos poucos, passei a acordar sem tê-lo como primeiro pensamento. Os fins de semana voltaram a ter vida, e sentar à mesa já não me doía mais.

O tempo tem esse poder de ser remédio: cuidar de nós e reconstruir aquilo que foi demolido dentro de nós. Doeu muito, mais do que eu esperava e mais do que eu merecia. E aos poucos consegui enxergá-lo como ele realmente foi. Doeu tanto, sabe? E não, eu não merecia um desfecho tão ruim, um tratamento tão descartável. Mas, distante de todo o sentimento, consegui vê-lo de verdade. Não consigo mais procurar desculpas para humanizá-lo em cima da minha dor e, aliás, nem preciso.

Aos poucos, ele foi se tornando menos frequente nas minhas conversas. Como foi bom ter amigas que me deixaram esvaziar essa dor, que me ouviram e me abraçaram. Tantas vezes, aos prantos, eu dizia: “Amiga, obrigada por me ouvir. Isso dói tanto, tanto, que parece que meu coração está partindo ao meio”. E elas me ouviam. E me abraçavam. E enxugavam minhas lágrimas, uma, duas, três mil vezes. Ter esse apoio foi tão importante e necessário para que eu pudesse me curar. Aqui, eu afirmo: mulheres curam mulheres.

Esses dias, tive a certeza disso quando me deparei com ele no trânsito. Olhei e não senti. Não quis. Não amei. Era tudo o que eu precisava para entender que as cicatrizes, por mais profundas que sejam, um dia se fecham e deixam de doer.

A gente sempre acha que não vai aguentar, né? Até que a vida nos mostra, mesmo que leve um tempo, um ano, dois anos, que tudo passa. Até aquilo que achávamos que jamais passaria.

quarta-feira, abril 02, 2025

As estações que ficaram


Olhou pela janela e o vento frio atravessou a fresta da cortina, tocando sua pele como um aviso. Era abril, mas dentro dele ainda era agosto – aquele agosto pesado, meio úmido, que insiste em não passar. Tentou acender um cigarro, mas a chama do isqueiro falhou três vezes antes de pegar. Pensou que talvez fosse um sinal, desses que o universo manda quando a gente não quer escutar. Acendeu mesmo assim.

Lá fora, a cidade seguia seu fluxo indiferente. Carros apressados, gente distraída, buzinas cortando o silêncio da noite. Tanta pressa pra chegar onde? Ele não sabia mais se queria chegar a algum lugar. Ultimamente, tudo parecia um grande intervalo entre o que foi e o que nunca chegou a ser. A xícara de café esquecida na mesa, o livro aberto na mesma página há dias. Pequenos descuidos que denunciavam o caos interno.

Lembrou-se dela – sempre ela. Do jeito que ria jogando a cabeça para trás, das palavras cortantes ditas entre tragos e goles de vinho barato. Do silêncio que veio depois, pesado como pedra no bolso. Sentiu um gosto amargo na boca, não soube dizer se era da lembrança ou do cigarro. A verdade é que algumas pessoas se tornam uma estação inteira dentro da gente. E, quando vão embora, levam junto o verão, o outono, tudo.

Deu uma última tragada e apagou o cigarro na beirada do cinzeiro já cheio. Precisava dormir, mas sabia que o sono não viria. Não nessa noite. Olhou para o teto e sentiu um cansaço profundo – desses que não é físico, mas que pesa nos ombros como se fosse. Amanhã, talvez, o vento soprasse diferente. Talvez abril chegasse de verdade. Talvez ele, enfim, conseguisse seguir.

sexta-feira, janeiro 24, 2025

Hoje, não. Amanhã, quem sabe.


A vida é estranha. Muda numa velocidade que mal conseguimos acompanhar. Nos últimos anos, eu amei tanto uma pessoa que acreditava, com todo o meu ser, que o destino nos uniria para sempre. Até que, um dia, meus sentimentos começaram a mudar. Meu amor, que antes parecia tão imutável, se ressignificou.

Conversamos recentemente. Ele me disse, com uma sinceridade que quase doeu de tão bonita: "Eu ainda te amo como sempre te amei." E tudo o que consegui responder foi: "Eu também amo você, mas não da forma que você gostaria."

Havia um peso no meu coração enquanto eu dizia isso, quase como se fosse crueldade admitir que não amamos mais alguém que só quer o nosso amor. Mas, nos últimos tempos, venho refletindo muito. Eu quero viver de acordo com aquilo em que acredito: quero um amor que me faça suspirar, que me dê vontade de acordar todos os dias e acreditar que a vida vale a pena.

Sei que pode soar utópico, mas não quero estar com alguém se meu coração não arde mais por essa pessoa. Quero sentir aquele frio na barriga, aquela ansiedade gostosa de enviar um “bom dia”. Quero fazer uma vídeo chamada só para saber como foi o dia ou compartilhar uma fofoca boba. Quero alguém com quem eu possa ser completamente eu: para falar sobre astrofísica ou qualquer bobagem sem filtro. Alguém que me acompanhe em qualquer assunto e que tope qualquer aventura, porque o mais importante é estarmos juntos.

Às vezes me sinto ingênua ou idealista em relação ao amor romântico, mas acredito que a vida é rara demais e curta demais para não corrermos atrás dos nossos sonhos. Não quero viver um amor morno, porque sei o quanto meu peito clama por algo intenso e verdadeiro. Essas conversas difíceis me deixam ansiosa, apertam meu coração, mas não posso trair o que sinto. Não posso aceitar um amor que, mesmo que antes tenha sido tudo, hoje já não faz meu coração acelerar.

A vida é assim. Aqueles que acreditávamos que amaríamos para sempre acabam se distanciando, como uma cena de filme que desbota aos poucos. Amores vêm e vão, como marés que se retraem com o tempo. O amor muda também. É fluido, inconstante, e às vezes nos deixa perplexos.

Lembrei recentemente de uma frase que ouvi tempos atrás: “Sinto que, quando eu voltar para você, você não vai me querer mais, assim como já não quer mais essa pessoa que você amou.” Ri quando ouvi aquilo. Mas esta semana, pensando nisso, percebi que talvez seja verdade. Talvez chegue o dia em que eu realmente não queira. Hoje, não. Amanhã, quem sabe.