quarta-feira, abril 02, 2025

As estações que ficaram


Olhou pela janela e o vento frio atravessou a fresta da cortina, tocando sua pele como um aviso. Era abril, mas dentro dele ainda era agosto – aquele agosto pesado, meio úmido, que insiste em não passar. Tentou acender um cigarro, mas a chama do isqueiro falhou três vezes antes de pegar. Pensou que talvez fosse um sinal, desses que o universo manda quando a gente não quer escutar. Acendeu mesmo assim.

Lá fora, a cidade seguia seu fluxo indiferente. Carros apressados, gente distraída, buzinas cortando o silêncio da noite. Tanta pressa pra chegar onde? Ele não sabia mais se queria chegar a algum lugar. Ultimamente, tudo parecia um grande intervalo entre o que foi e o que nunca chegou a ser. A xícara de café esquecida na mesa, o livro aberto na mesma página há dias. Pequenos descuidos que denunciavam o caos interno.

Lembrou-se dela – sempre ela. Do jeito que ria jogando a cabeça para trás, das palavras cortantes ditas entre tragos e goles de vinho barato. Do silêncio que veio depois, pesado como pedra no bolso. Sentiu um gosto amargo na boca, não soube dizer se era da lembrança ou do cigarro. A verdade é que algumas pessoas se tornam uma estação inteira dentro da gente. E, quando vão embora, levam junto o verão, o outono, tudo.

Deu uma última tragada e apagou o cigarro na beirada do cinzeiro já cheio. Precisava dormir, mas sabia que o sono não viria. Não nessa noite. Olhou para o teto e sentiu um cansaço profundo – desses que não é físico, mas que pesa nos ombros como se fosse. Amanhã, talvez, o vento soprasse diferente. Talvez abril chegasse de verdade. Talvez ele, enfim, conseguisse seguir.

sexta-feira, janeiro 24, 2025

Hoje, não. Amanhã, quem sabe.


A vida é estranha. Muda numa velocidade que mal conseguimos acompanhar. Nos últimos anos, eu amei tanto uma pessoa que acreditava, com todo o meu ser, que o destino nos uniria para sempre. Até que, um dia, meus sentimentos começaram a mudar. Meu amor, que antes parecia tão imutável, se ressignificou.

Conversamos recentemente. Ele me disse, com uma sinceridade que quase doeu de tão bonita: "Eu ainda te amo como sempre te amei." E tudo o que consegui responder foi: "Eu também amo você, mas não da forma que você gostaria."

Havia um peso no meu coração enquanto eu dizia isso, quase como se fosse crueldade admitir que não amamos mais alguém que só quer o nosso amor. Mas, nos últimos tempos, venho refletindo muito. Eu quero viver de acordo com aquilo em que acredito: quero um amor que me faça suspirar, que me dê vontade de acordar todos os dias e acreditar que a vida vale a pena.

Sei que pode soar utópico, mas não quero estar com alguém se meu coração não arde mais por essa pessoa. Quero sentir aquele frio na barriga, aquela ansiedade gostosa de enviar um “bom dia”. Quero fazer uma vídeo chamada só para saber como foi o dia ou compartilhar uma fofoca boba. Quero alguém com quem eu possa ser completamente eu: para falar sobre astrofísica ou qualquer bobagem sem filtro. Alguém que me acompanhe em qualquer assunto e que tope qualquer aventura, porque o mais importante é estarmos juntos.

Às vezes me sinto ingênua ou idealista em relação ao amor romântico, mas acredito que a vida é rara demais e curta demais para não corrermos atrás dos nossos sonhos. Não quero viver um amor morno, porque sei o quanto meu peito clama por algo intenso e verdadeiro. Essas conversas difíceis me deixam ansiosa, apertam meu coração, mas não posso trair o que sinto. Não posso aceitar um amor que, mesmo que antes tenha sido tudo, hoje já não faz meu coração acelerar.

A vida é assim. Aqueles que acreditávamos que amaríamos para sempre acabam se distanciando, como uma cena de filme que desbota aos poucos. Amores vêm e vão, como marés que se retraem com o tempo. O amor muda também. É fluido, inconstante, e às vezes nos deixa perplexos.

Lembrei recentemente de uma frase que ouvi tempos atrás: “Sinto que, quando eu voltar para você, você não vai me querer mais, assim como já não quer mais essa pessoa que você amou.” Ri quando ouvi aquilo. Mas esta semana, pensando nisso, percebi que talvez seja verdade. Talvez chegue o dia em que eu realmente não queira. Hoje, não. Amanhã, quem sabe.